sexta-feira, maio 27, 2005

Dinheiro mal distribuído



Ontem vi, "en passant" um programa televisivo sobre as gémeas Olsen, Mary-Kate e Ashley. Lá falavam, entre outras coisas, das somas astronómicas que estas meninas gastam em vestidos, sapatos, carros, relógios, jóias, acessórios de moda e demais bric-à-brac.
Eu não adjectivaria as somas gastas por estas duas meninas de "astronómicas". Eu diria antes "pornográficas"!!! Orgulhosas donas de Range Rovers que custam 75 mil dólares (60 000 euros ou 12 030 contos!!), nas suas roupas Prada, Gucci, Chanel, com Rolex de ouro de 8 580 euros (1 720 contos!!), ende soi on, ende soi on.
Mas não quero ser acusado de estar a criticar apenas estas duas "pobres" (valente força de expressão) meninas. Assistir ao relato deste chorrilho de somas que, de tão altas nem consigo sequer ter uma ideia do que representam, fez-me lembrar um outro programa que ouvi - este na rádio - sobre ordenados "chorudos". Ouvi nesse programa que uma senhora executiva que era, na altura, um dos quadros altos dos CTT, acumulava as funções de gestora noutra empresa, com a qual mantinha uma avença de... 19 000 contos. Ou seja, a senhora recebia por mês, para além do ordenado dos CTT (que não sei quanto seria mas, sendo um quadro alto e não uma subalterna carteira, não devia ser pouco) uns 19 mil contitos adicionais, fizesse ela muito (conforme o tempo livre do emprego nos CTT lhe permitia) ou fizesse a ponta de um corno. Ah, bela avença.
Mais exemplos ouvi nesse programa de rádio mas este foi o que mais volta me deu às tripas. E, devo adiantar, tudo isto foi já há uns bons anitos, numa altura em que 19 mil contos eram MESMO MUITO DINHEIRO!!
Este "desabafo" não pretende fazer as vezes de um choroso "também quero!". Pretendo sim explorar a máxima, talvez abusada em demasia pelo "sábio" povo, que o "dinheiro está mal distribuído". Eu, acrescentaria que mais que mal distribuído, é mal utilizado.
Se eu tivesse mais de 8 500 euros, compraria um Rolex de ouro? Mostrará horas e minutos de mais qualidade que as horas e minutos de um Timex, Tissot ou Swatch? É verdade que estes relógios Rolex caríssimos têm ligação a um satélite que garante que têm sempre o tempo correcto. Mas, eu gosto de ter o meu relógio adiantado uns minutos para garantir que chego a horas a certos sítios. Ou seja, o meu relógio de muito menos de 100 euros permite-me fazer algo que esse Rolex não deixa. Logo, para mim, esse Rolex é uma valente porcaria. Ah, e ser de ouro é melhor que o leve e resistente plástico do meu Swatch?
Creio que o contacto com o dinheiro destrói neurónios e interrompe vastas extensões de ligações sinápticas. Uma pessoa antes de ter dinheiro tinha um carro que lhe servia perfeitamente para a transportar do ponto A para o ponto B. Ao se ver com mais dinheiro compra um carro que a leva igualmente do ponto A para o ponto B mas que é muito mais caro, as revisões custam 10 vezes mais, as peças têm de ser de origem e só pode ser arranjado no concessionário por preços muito mais elevados, etc.
Ter umas calças da Zara torna-me uma pessoa pior que ter umas calças Yves Saint Laurent? Não me tapam ambas do mesmo modo a zona pudibunda?
Seria mentiroso se dissesse que, caso tivesse mais dinheiro, manteria o mesmo nível de vida. Mas compraria outro carro? Para mim não. O que tenho basta-me e gosto muito dele. Compraria talvez um para a minha esposa para não ter de prescindir da comodidade do carro nos dias em que ela precisa dele. Compraria uma casa melhor? Talvez... mas com mais assoalhadas? Para quê? Para ter de pagar a uma empregas extra (ou mais) para a conseguir manter limpa? Compraria relógios mais caros? O que tenho diz-me perfeitamente as horas e gosto dele. Compraria um computador novo? Talvez sim, para poder trabalhar em casa em vez de passar todo o meu tempo na agência. Sim, trabalhar... porque não creio que deixasse de o fazer. A ideia de, ao ter dinheiro, correr o risco de ficar com neurónios atrofiados já é suficientemente assustadora. Também ter de adicionar a esse, o risco de ficar com os músculos atrofiados por passar o resto dos meus dias a vegetar porque a conta bancária assim o permite, é absolutamente impensável.
O dinheirinho, bem distribuído e utilizado, chegava para todos e viveríamos num mundo muito melhor. Perdoem terminar com este chavão, mas... e não é que é verdade?